“Sonhos são coisas perigosas, a gente não decide tê-los, nem define como eles serão….sem a gente perceber, os sonhos já nos são”
Tamara Klink.

Elas ouviam histórias: das diferentes cores do céu, dos lugares que ninguém havia alcançado, do outro lado do oceano. Elas ouviam histórias lindas, que as faziam sonhar. E hoje contam as delas. Conversamos com Tamara, Laura e Marina Klink, as irmãs mais aventureiras do Brasil, conhecidas por suas viagens de barco oceano afora. Elas nos contaram sobre todos esses sonhos e as aventuras que eles trouxeram, sobre coragem, persistência, sobre a beleza do mundo lá fora e sobre um lugar bem grande para guardar todas essas coisas: o mar!
por Gabriela Marcotti

Meninas, vocês se lembram da primeira vez que estiveram em um barco no oceano? nos contem um pouco sobre a infância de vocês e como as aventuras dessa época moldaram quem são hoje…
Sempre tivemos uma relação bem próxima com o mar. Para nós o mar sempre foi motivo de muitas despedidas e reencontros. Foi na praia de Jurumirim que vimos essas águas levarem nosso pai para longe e trazê-lo de volta pra casa, em segurança, enquanto nós 4 esperávamos na areia da praia. Por muito tempo, o mar foi nosso “inimigo”, afinal, era por causa dele que meu pai partia para voltar meses depois. O sentimento de saudades tomava conta. Com o tempo, nossa mãe buscou transformar essa distância em algo positivo. Foi através dos livros, fotos e histórias que nossa mãe começou a mudar nossa relação com o mar, nos aproximando desse universo que nos mantinha tão distantes - e quando meu pai chegava, ele vinha com inúmeras histórias pra contar. Essas histórias transformaram a ausência do nosso pai em algo positivo, afinal, a cada vez que ele retornava ele vinha acompanhado de relatos fantásticos. Começamos a entender o porquê dele sempre estar partindo para uma nova viagem. Foi quando completamos 8,8 e 6 anos, que partimos para nossa primeira grande viagem em família, rumo à Antártica.


Laura, uma vez você disse que o mundo e as experiências fora da sala de aula podem nos ensinar mais que a escola, e tem toda razão! Qual a lição mais importante que aprendeu velejando?
O mar nos mostra que pra chegar onde queremos nem sempre podemos ir em linha reta, às vezes precisamos fazer zigue-zague ou voltar atrás pra enfim poder avançar. Não conseguimos prever ou planejar tudo, precisamos aprender a respeitar o tempo, a maré e as condições externas. Como diz nosso pai, um bom planejamento é aquele que se adapta.

Imagino que as viagens tragam surpresas especiais que ninguém é capaz de prever: houve algum momento não planejado que marcou vocês?
Era 2009, estávamos sentadas na cabine de comando do Paratii-2 escutando as conversas alheias de outros barcos - era nosso mais novo passatempo - ouvíamos todos os tipos de conversas, muitas das quais não entendíamos uma palavra sequer. Depois de trocar as estações, no meio de várias vozes surge uma notícia que nos deixou extremamente alegres: havia um barco, perto de nós, com uma criança da nossa idade.

Insistimos constantemente para visitar o barco dessa criança, até que por fim, nossos pais cederam a nossa vontade. Para nossa surpresa, quando chegamos lá, não só tinha uma criança da nossa idade, como outras 3. Era uma família de franceses, que estava no começo de uma longa viagem de 3 anos pelo mundo. Rapidamente, viramos amigos e logo combinamos de nos ver novamente.

Alguns dias depois, visitamos uma colônia de pinguins, perto de Pleneau. A empolgação de nós 7, nos trouxe tanta energia que decidimos ir caminhar por conta própria - deixando nossos pais para trás.  Começamos a subir a montanha…assim, a tarde foi passando - e a distância aumentando. Depois de algum tempo - enfim, alcançamos o céu - lá de cima enxergávamos toda baía, e no meio dela estava o Paratii-2, que parecia pequeno como uma noz.

Estava olhando atentamente para o barco, quando percebi que meu pai, lá embaixo, começou a acenar incansavelmente - acenei de volta. Ele começou a gritar - gritei de volta. Ao passo em que corria no sentido dele, seus braços começavam a se movimentar com mais força - não entendia o que estava querendo dizer. Corria, corria e os gritos, ainda mais altos, continuavam abstratos.

De repente, uma das crianças me chamou para voltarmos. Quando chegamos de volta a colônia de pinguins, meu pai já estava a postos. Ele nos colocou no bote,e sem dizer uma palavra começou a contornar o lugar onde tínhamos caminhado.
Foi quando olhei para cima que me dei conta - há poucos passos do lugar onde corria, tinha um precipício de mais de 300m. Como a neve estava curva, tive a ilusão de que a montanha continuava logo depois, quando na verdade acabava há menos de 5 passos dali.

Nesse dia me dei conta de que às vezes estamos imersos em um ambiente, onde ficamos tão maravilhados com o que está a nossa volta - que não paramos para analisar o caminho que escolhemos e o contexto em que estamos. É nessa hora que a certeza de que voltaremos coloca em risco todo trajeto.

“É preciso sair da ilha para ver a ilha”


Nina, navegar nos ensina muito sobre enfrentar medos e encarar o incerto, mas ao mesmo tempo sobre aproveitar o agora e ter tranquilidade no coração. Como vocês encaram essas situações de extrema vulnerabilidade de forma tão bonita e leve?

Uma vez ouvimos que “os piores momentos de se viver são os melhores de se contar”. O medo, a inquietação e muitas outras incertezas sempre estão presentes nas nossas viagens, tanto no mar quanto em terra firme. No entanto, é justamente isso que nos motiva a planejar minuciosamente nossas vontades, a ter um objetivo bem construído antes de pedir qualquer ajuda e, principalmente, a tentar antes de nos julgar incapaz. Essas vulnerabilidades nos preparam para os riscos que podemos prever. Quanto aos perigos imprevisíveis, eles expõem nossas características mais verdadeiras, os pontos fortes e fracos de cada um. Uma vez superados, olhamos para eles de forma leve pois sabemos que se ocorrer novamente saberemos lidar. No entanto, novos desafios vão sempre surgir, e por isso precisamos nos preparar tecnicamente e proteger nossos sonhos, ser firme quanto aos objetivos, pois ninguém além de nós mesmas irá enfrentar os riscos que surgem deles.

Um outro aspecto é a certeza de que, mesmo a sós, não estamos sozinhas. O apoio que recebemos de amigos, irmãos e desconhecidos com quem cruzamos e nos motivam a perseguir os sonhos é essencial. A rede de apoio que vamos construindo a cada jornada é a certeza de que temos um porto seguro.

Nina , o que não pode faltar na vida de uma mulher aventureira?

Planejamento é o elemento indispensável na vida de uma mulher aventureira.

Crescemos ouvindo relatos de viagens que pareciam loucura, em meios de transporte improváveis e para lugares inacessíveis. Nossos pais ainda hoje chegam em casa com um bolso cheio de novas histórias que inspiram. Conforme crescemos e ganhamos independência, passamos a notar que nenhuma dessas histórias é aventura. Nossos pais não são aventureiros, mas empreendedores: não constroem aventuras, mas experiências que são, pura e simplesmente, resultado de um bom planejamento.

Por isso, crianças, entendemos que, para um dia alcançarmos nossos próprios sonhos, precisaríamos fazê-lo de forma independente, e isso exige uma estratégia. Vemos isso nas histórias dos primeiros exploradores polares: as travessias que parecem mais absurdas deram certo pois tomaram-se anos de estudo e preparação.

Hoje, somos também inspiradas por incríveis histórias de outras mulheres, e sabemos quantas outras existem e não foram contadas, ou não são valorizadas.


E, para que sejam bem sucedidas, um bom planejamento é essencial.

Parece que vocês já viveram tanto e ainda são tão jovens, quais os sonhos que ainda querem realizar?

 Quero navegar com minhas irmãs, e poder estar de novo com elas nos lugares onde nossos pais nos levaram quando éramos crianças.
(Tamara)

Tamara, sabemos que o plano de atravessar o Atlântico já existia há um tempo, o que te motivou a tirar esse plano da gaveta no meio de uma pandemia e concretizá-lo?


Eu sonho navegar em solitário desde que eu me lembro de sonhar. Ao crescer, buscava os meios de começar de algum jeito. De aprender com os outros. De me por a prova.


Na pandemia, muitas das minhas certezas e seguranças foram se desfazendo. Terminei um relacionamento, fiquei sem endereço, o estágio foi cancelado. Fiz do vazio um espaço para o novo. Perdi muito do que eu tinha, então tinha menos a perder. Estava aberta ao risco.


Tamara, se pudesse escolher um momento da travessia para reviver, qual seria?

Gostaria de reviver os encontros com os amigos que fiz nos portos. Conviver com a solidão por vezes arde e é difícil explicar para alguém o que significa passar semanas sem ver um rosto, sem ouvir uma voz. Nos portos, eu encontrei acolhimento, empatia, carinho. Nos portos eu quis permanecer um pouco mais.

Essas pessoas que encontrei trouxeram sentido para a travessia. E as partidas eram menos difíceis quando eu imaginava nosso reencontro.


Acompanhe as viagens de Laura, Tamara e Marina!
26 de fevereiro de 2023 — Luisa Meirelles