Paula Jacob, redatora-chefe na Glamour Brasil, apaixonada por literatura e cinema, e escritora de contos eróticos no @wetvividdreams nos leva para uma deliciosa jornada de descoberta e contato com a nossa intimidade. Conversamos com ela sobre seu olhar para o erótico, sobre as inspirações femininas e sobre viver uma vida fora das gaiolas que nos prendem, afinal, nada melhor do que viver *sem vergonha*.

por Gabriela Marcotti

Nos conte de onde surgiu a vontade de ter um espaço para expressar seus contos? Foi algo natural?

A vontade de escrevê-los foi natural. Sempre tive cadernos, diários e anotações em livros de pensamentos, poemas, histórias, ideias soltas… Como sou jornalista, a escrita acaba ganhando um espaço mais técnico na vida, ainda mais considerando as regras da língua portuguesa do próprio trabalho. E isso, claro, é ótimo para mim nesse espaço, mas sentia falta de algo mais sensível e criativo. Daí sentei para escrever uma história, lá em 2018, e sem querer ela virou um conto erótico. Achei surpreendente, gostei do exercício e comecei a explorar isso em mim. Sempre li Anaïs Nin, Bataille, Henry Miller, acho o assunto fascinante dentro da história da literatura, então foi como se eu me encontrasse em mim mesma. Explorar e desvendar esses caminhos do que era o erotismo para mim e da própria escrita erótica – qual seria a minha voz, o viés das histórias e por aí vai. Passado algum tempo, com contos guardados nos meus cadernos, conversei com a minha amiga e ilustradora Brunna Mancuso sobre isso – ela tinha o interesse em ilustrar. A ideia inicial era fazer um livro, que mesclasse os nossos trabalhos, mas veio a pandemia e decidimos criar o perfil no Instagram. As pessoas estavam falando bastante sobre sexualidade, carência, contatinhos, baixa libido, era um bom momento para colocar isso no mundo. Engraçado, para mim (nós, a Brunna também), sempre foi natural esse processo. Mas lembro quando divulguei para pessoas próximas antes de lançar o Wet, um amigo querido me disse "que coisa linda, e que coragem". Refleti muito sobre essa frase, fiquei pensando o quanto um espaço de desejo e prazer ainda é um tabu na sociedade. Sim, é preciso coragem para fazer isso.

Paula, muitas pessoas veem a sexualidade como os roteiros criados por filmes hollywoodianos... Adoramos que o seu conteúdo seja muito real e estimulante de formas diferentes. Como você enxerga o erótico hoje?

Depois que comecei a escrever os contos, resolvi fazer cursos sobre o erotismo dentro da literatura, o entendimento disso na filosofia e também na psicanálise – sigo estudando.


A sexualidade e o próprio sexo (que são coisas bem diferentes, vale ressaltar) sempre tiveram um lugar social muito encaixotado, vendido como regra para todos, com um roteiro específico. Porém, sabemos que não é bem assim. Cada pessoa é uma pessoa, cada corpo é um corpo. Nem tudo vai servir para você, e tudo bem. O que vale é explorar, se deixar sentir, se permitir encontrar dentro de si e não ter medo de transbordar as suas vontades (sozinha ou acompanhada). Por conta do cinema e da pornografia mainstream, e da publicidade, que usa recursos sexuais para vender produtos, o erótico se perdeu na sociedade contemporânea. As trocas físicas ficaram rasas, o prazer se resume a algo ou alguém muito padronizado. E, na verdade, o erótico é o oposto disso. Hoje, vejo uma leve mudança nesse discurso, mas estamos falando de algo que é historicamente (e há muito tempo!) uma questão social. Falar é diferente de fazer, entender na cabeça é diferente de entender no corpo. As coisas vão mudar efetivamente quando as pessoas pararem de temer esse contato com a própria intimidade. E isso é um ganho coletivo, mas como consequência. O importante é como cada um se encontra dentro de si, respeitando sempre o processo. Não ter pressa de resolver da noite para o dia e não se cobrar disso são coisas relevantes para ter em mente.

Você uma vez escreveu “Cores, sons, cheiros e toques: queremos aguçar seus sentidos”. O quanto é revolucionário pensar no sentir de uma forma tão holística em um mundo com pouca atenção? Você acredita que esse é um caminho para nos conectarmos com a nossa intimidade?

Olhando em retrospecto para a sociedade, muita coisa foi feita para alienar o ser humano do próprio corpo (físico e psicológico). Ir contra esse movimento é bastante revolucionário porque significa se encontrar, enfrentar os medos, os traumas e as partes difíceis também. Não só: se permitir sentir (seja dor, amor, tristeza, alegria, plenitude...) é entrar em contato com a própria existência. Não é possível viver uma vida tentando fugir dessas coisas.


Isso consequentemente atinge o lugar do erotismo e dos prazeres da vida. Atiçar os sentidos é, para mim, uma forma muito bonita e poderosa de entrar em contato com o que há de mais natural e ancestral no corpo.

Por muito tempo a sociedade negou o prazer feminino de diversas formas, o que significa poder falar sobre isso e impactar tantas mulheres?
Os contos do Wet são sempre narrados por uma mulher. Eu sou uma escritora, a Brunna, uma ilustradora. É um contexto pensado para colocar a mulher como protagonista do próprio desejo, da própria história de sua sexualidade, longe de padrões ou roteiros pré-determinados. Poder escrever essas histórias e compartilhá-las com outras pessoas é bastante gratificante. Recebo muitas mensagens de mulheres no perfil elogiando e agradecendo os contos, as frases e os poemas. Não tem nada igual a isso. Se o que a gente faz ali atingir e inspirar uma pessoa, já fico feliz. Acho importante também os homens fazerem parte dessa transformação, afinal vivemos em uma sociedade machista/patriarcal. Enquanto eles não se desprenderem também dos tabus e das imposições sociais diante do sexo/sexualidade e da dominação masculina, de nada adianta. Eles fazem parte dos seguidores e leitores, são minoria, mas pelo menos estão ali.

Você acredita que houveram alguns acontecimentos significativos que te colocaram nesse lugar de uma mulher tão dona de si, tão livre e tão verdadeira com sua natureza?

Análise, análise, análise (risos). Um conjunto de fatores, na verdade, que envolve a psicanálise, os estudos, as vivências. A gente vai amadurecendo em diversos lugares dentro de nós mesmos a partir do momento que estamos prontas e aptas a encarar tudo isso que forma a nossa existência. O encontro com o feminismo também me trouxe ferramentas para compreender o que era uma imposição pessoal ou social; quais lugares eu tinha que olhar com mais atenção no meu dia a dia para desconstruir preconceitos internos. É um processo longo, que ainda acontece e, acredito, que vai acontecer a vida toda. Nós mudamos muito de acordo com o tempo, com o contexto, com as nossas vontades. Desde que eu me sinta verdadeira com a minha essência, as coisas vão fluir.

Féminine, nossa nova coleção, fala sobre essa mulher que não se encaixa em padrões, que transborda, que é muito tudo! Nos conte um sonho ou fantasia que irá viver vestida de féminine rs
A coleção é, por si só, um sonho, daqueles para viver de olhos abertos – excelentes!


Esse conforto de estar, de se olhar no espelho e se sentir bem com o que enxerga ali. Assim é fácil transbordar, seja lendo no café da manhã, seja diante da pessoa que se ama, seja se despindo para tomar um banho floral numa tarde de sol. É tipo o Wet para mim, me transporta para esse lugar mágico que podemos, sim, viver todos os dias.

por Gabriela Marcotti.

26 de fevereiro de 2023 — Luisa Meirelles